

Crédito e exclusão: o papel dos dados em um Brasil com 78,2 milhões de negativados
Como a inteligência de dados pode incluir, ou excluir, milhões de brasileiros do sistema financeiro
TECNOLOGIAINTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Por Bruno Jardim | PowerOfData
11/11/20254 min read


O Brasil é, sem dúvida, um dos países mais avançados do mundo em uso de dados, tecnologia, IA e Machine Learning para análise de risco de crédito. Nossos modelos de score são sofisticados, temos uma base massiva de dados de comportamento de consumo, integração com provedores de dados, Open Finance, Bureaus e um ecossistema financeiro extremamente digitalizado.
Mas há um paradoxo gritante:
78,2 milhões de brasileiros estão negativados (Fonte: Serasa, outubro/2025).
Isso representa quase 4 em cada 10 adultos economicamente ativos fora do sistema financeiro formal, sem acesso a crédito, sem financiamento, sem cartão de crédito. Sem oportunidades.
Como pode um país tão tecnicamente evoluído ainda conviver com tamanha exclusão?
O que os modelos de risco realmente fazem?
O sistema de crédito moderno é suportado por modelos estatísticos e algoritmos de Machine Learning em diferentes etapas da jornada do cliente, cada um com sua função específica.
Application Score – análise no momento da concessão
Esse é o modelo mais conhecido. Avalia, com base em dados cadastrais, histórico de crédito e outras variáveis, a probabilidade de um novo cliente se tornar inadimplente.
Utilizado em: concessão de cartão, empréstimos, financiamento.
Exemplo de variáveis: tempo de emprego, renda, histórico de negativação, consultas recentes ao CPF, relacionamento com o mercado bancário.
Desafio: alta dependência de dados históricos, que muitas vezes penalizam perfis que já foram excluídos antes.
Behavior Score – monitoramento contínuo da carteira
Após a concessão, entra em cena o Behavior Score, responsável por avaliar a evolução do risco ao longo do tempo.
Utilizado em: upgrades de limite, ofertas de crédito adicionais, manutenção do relacionamento.
Exemplo de variáveis: atraso em faturas, uso de limite, transações atípicas, mudanças de renda, canais de atendimento utilizados.
Desafio: separar variações pontuais (como atrasos por questões emergenciais) de mudanças estruturais de comportamento.
Collections – inteligência na cobrança e recuperação
Com base em modelos preditivos, é possível identificar o melhor momento, canal e abordagem para recuperar dívidas. Aqui o foco é otimizar o retorno financeiro e preservar o relacionamento.
Utilizado em: estratégias de cobrança (carta, SMS, WhatsApp, call center), renegociação e ofertas de quitação.
Exemplo de variáveis: tempo de inadimplência, capacidade de pagamento, reações a tentativas anteriores, padrão de quitação.
Desafio: não agravar a situação financeira do cliente, atuando com empatia e personalização.
Fraude – proteção do sistema e dos usuários
Fraude precisa ser tratada à parte. Aqui, o objetivo não é prever inadimplência legítima, mas detectar tentativas maliciosas de uso do crédito, como documentos falsos, identidade fraudada, contas fantasmas, bots, etc.
Técnicas comuns: modelos de detecção em tempo real, análise de dispositivos, biometria, geolocalização, redes neurais.
Desafios: alta sofisticação dos fraudadores (uso de deepfakes, engenharia social, spoofing), balancear segurança com experiência do usuário e evitar falsos positivos que barram bons clientes.
O problema: modelos dentro da bolha
Grande parte dos profissionais que desenvolvem esses modelos vive uma realidade financeira privilegiada, com acesso a crédito, renda estável, contas em débito automático. Isso pode gerar um viés estrutural nos algoritmos.
É comum que perfis com atraso em contas básicas, como água, luz ou gás, sejam automaticamente classificados como de alto risco. Mas esses atrasos muitas vezes refletem desorganização financeira temporária ou desigualdade estrutural, não má-fé.
O modelo, sem sensibilidade contextual, exclui quem mais precisa ser incluído. E a cada exclusão, o dado histórico reforça o erro, criando um ciclo vicioso que perpetua a marginalização financeira.
Não é uma utopia usar dados para reverter esse cenário
A solução está em diferentes frentes, que exigem inovação técnica, responsabilidade ética e empatia social.
Dados alternativos
• Contas pagas fora do sistema bancário, assinaturas digitais, comportamento de consumo, histórico de celular pré-pago, dados públicos do governo, informações de trabalho informal.
• Open Finance e Open Data são grandes aliados para granularidade e inclusão.
Modelos mais justos e explicáveis
• Segmentação mais fina dos negativados.
• Transparência sobre o porquê do score, com modelos de ML e IA explicáveis e interpretáveis.
• Avaliação de potencial futuro, não só histórico.
Condições adaptativas de crédito
• Juros personalizados, taxas progressivas com base no comportamento real.
• Incentivo à boa conduta financeira com recompensas tangíveis.
Responsabilidade técnica e social dos profissionais de dados
Se você trabalha com dados, IA, ML, modelagem de risco, você tem influência direta sobre quem será incluído ou excluído do sistema financeiro.
Não podemos continuar aceitando como “normal” o fato de 78 milhões de pessoas estarem fora do acesso ao crédito.
Precisamos construir modelos que não apenas gerem lucro, mas também gerem oportunidade.
Modelar risco é parte essencial do sistema financeiro, mas risco não pode ser sinônimo de preconceito estatístico.
Com tecnologia, dados e responsabilidade, podemos transformar uma massa de negativados em uma população bancarizada, produtiva e reabilitada financeiramente.
Isso não é só bom para quem toma crédito. É bom para o mercado. É bom para o país.
Se você é profissional de dados, tecnologia, produto ou crédito, esse tema precisa estar no seu radar. Vamos construir juntos modelos mais justos, mais humanos e mais inteligentes?






